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I JORNADAS INTERFÓRUNS
PRELÚDIO III

Genocídio, destino radical da segregação?

Elisa Cunha

No emocionante discurso de posse do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, ouvimos a óbvia, segundo o próprio, mas necessária enunciação do seu primeiro ato como ministro; ele nomeou diversos grupos minorizados e segregados socialmente, afirmando que todos existem e são importantes para nós.

Lacan, seguindo a trilha freudiana de Totem e Tabu nos adverte que a humanidade começa por um traço de exclusão, a segregação estrutural agenciada pela fraternidade. Mas há também as práticas segregativas e seus efeitos relativos ao insuportável da alteridade que aponta para o real do outro que se manifesta como estrangeiro à tentativa de uniformização do gozo, justamente ele, que faz do outro um Outro, e é a estratégia contra o horror à castração. A esse ódio ao gozo do outro Lacan chamou de racismo ou segregação e, segundo ele, é consequência da universalização estabelecida na civilização pela ciência. A universalização que se orienta para a supressão das diferenças, quais sejam: étnico-raciais, de gênero, de classe, de orientação sexual… a homogeneização dos modos de gozo dos sujeitos.

Segundo Colette Soler, essa universalização não é conduzida pelo significante mestre, mas sim pelo mercado, “ou seja, passa por um dever que não é o da proliferação dos valores dos ideais, mas um dever real do manejo dos meios econômicos…” (SOLER, 1988, p.45).

Assistimos há pouco, cenas estarrecedoras do genocídio em curso do povo indígena. A população indígena que era de cerca de 3 milhões em 1500, em 2010, segundo dados do censo do IBGE, não passava de 896 mil. Desde a colonização das Américas, inúmeras etnias foram dizimadas e atualmente é a etnia Yanomam que està como objeto de extermínio. As comunidades indígenas sofrem os graves efeitos da invasão de suas terras pelos garimpos. A floresta amazônica foi devastada em pelo menos 3 Estados do Norte, rios contaminados e assoreados. Centenas de indígenas morreram de fome e doenças para as quais não receberam vacinas ou assistência e outras centenas estão gravemente doentes e desnutridos e muitos foram assassinados.
A lógica capitalista mais cruel e devastadora do garimpo sequestrou aqueles que não são vistos como sujeitos, mas como rebotalhos sob a égide desumanizadora da segregação.

Lacan, na Proposição de 9 de outubro de 1967, toma a IPA como referência para nos advertir que o estabelecimento das instituições sob a lógica da identificação, à semelhança da Igreja e do Exército e a consequente “colocação à margem da dialética edipiana”, resulta no “advento, correlativo da universalização do sujeito procedente da ciência, do fenômeno fundamental, cujo campo de concentração mostrou a erupção”. Não à toa, as tristes cenas dos resgates de indígenas esquálidos foram comparadas a campos de concentração. Sobretudo a fome é a política de Estado que massacra os Yanomami em favor dos garimpos ilegais. A hegemonia carreada pelo discurso capitalista, com seu caráter ilimitado, produz modificações na relação do sujeito com a natureza, com os outros homens e com ele mesmo e tudo se transforma em mercadoria. Temos aí, o aparecimento de várias formas de segregação, como a manutenção da miséria, o aumento dos massacres étnicos, a divisão territorial de acordo com os diferentes interesses do mercado; enfim, o surgimento de todas as modalidades de segregação que conhecemos no capitalismo nos dias atuais.

Concluo com uma pergunta: O que o campo lacaniano pode formular a respeito da segregação que orienta o laço social característico do funcionamento do capitalismo? Para terminar, acrescento uma provocação de Lacan que lá em 1967 perguntou, a nós psicanalistas, como responderemos a segregação trazida à ordem do dia com seus efeitos dessubjetivantes dirigidos àqueles que são segregados a partir do discurso universalizador da ciência?