XII Jornadas do Fórum do Campo Lacaniano
PRELÚDIO II
“Ser o que se pode é a felicidade”*
Gloria Sadala
Valter Hugo Mãe, um dos maiores nomes da literatura portuguesa da atualidade, apresenta em seu livro O filho de mil homens, a seguinte frase em destaque: “Ser o que se pode é a felicidade”.
Freud afirma, em “O mal-estar na cultura” (1930), que a busca pela felicidade é uma constante humana. No entanto, a civilização impõe restrições aos impulsos individuais, especialmente aos desejos sexuais e agressivos.
Além disso, mesmo quando um desejo é alcançado, a satisfação nunca é completa ou duradoura, pois o desejo é metonímico e sempre se move em relação a algo novo.
E a felicidade?
Numa análise, de início, o analisante espera uma promessa de felicidade ! Assim, desde o começo, as questões sobre a ética e a política se colocam na condução de uma análise.
A felicidade, entendida como o “Bem Supremo” de Aristóteles, não existe para a psicanálise, pois não há serenidade e mansidão em relação ao desejo. Portanto, o analista não pode prometê-la.
Lacan demonstrou, no Seminário 7, que a ética da psicanálise não é aristotélica nem tampouco kantiana e não se vale de princípios universais, pois está referida à singularidade do desejo. A análise deve ser regida pela ética do desejo e pela ética do bem-dizer, em articulação com a política da falta-a-ser, no contexto da lógica do Não-Todo.
O campo da ética da psicanálise foi estabelecido a partir da tragédia grega e não da filosofia. Freud recorreu ao trágico com Édipo Rei. No trágico, o sujeito, sob nenhuma hipótese, cede de seu desejo. Antígona, a heroína trágica de Sófocles, foi evocada por Lacan para ilustrar o desamparo do sujeito e sua decisão solitária diante da responsabilização pelo seu próprio desejo.
A ética trágica também se relaciona à política da falta-a-ser, pois confronta o sujeito com a castração, com sua falta constitutiva. Por um lado, daí decorre a angústia, mas permite surgir o desejo articulado à Lei, expresso no bem-dizer de Valter Hugo Mãe: “Ser o que se pode é a felicidade”.
Gloria Sadala
Rio de Janeiro, 16/11/2025
Referências:
Freud, Sigmund. (1930). “El malestar en la cultura”. In: Sigmund Freud Obras Completas, vol. XXI. Buenos Aires: Amorrortu, 1984.
Lacan, J. (1959-1960). O Seminário, livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
Mãe, Valter Hugo. O filho de mil homens. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2016.
Quinet, Antonio: O que faz o psicanalista: Ato, semblante e interpretação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2025.
Nota:
* Trecho extraído do livro O filho de mil homens, de Valter Hugo Mãe (Biblioteca Azul, 2016).
