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XII Jornadas do Fórum do Campo Lacaniano
PRELÚDIO I

Psicanálise: uma política com ética

Vera Pollo

Ética e política são termos que se conectam, mas, por vezes, também se separam. Há uma política sem ética, o que Antígona já denunciava na Antiguidade grega, quando a lei “justa’’ defendida por Creonte tentou impedi-la do respeito à dignidade humana do irmão. Em suas palavras, o corpo daquele que um dia recebera um nome não poderia ter o mesmo destino da carniça animal.  A passagem dos séculos não parece ter alterado grande coisa e a necropolítica (Mbembe, 2003)[1] que se pratica hoje em tantos lugares confirma diariamente a assertiva freudiana de que a tentação ao crime é de todos enquanto o Direito só vige para alguns. O vocábulo “ética” tem origem no grego ethos cujo duplo sentido o remete por um lado ao caráter moral de um sujeito isolado, por outro, ao que é simplesmente hábito ou costume em uma determinada comunidade. Neste último sentido, ethos foi traduzido em latim por mores, de onde vem o termo ‘moral’.  Freud (1933)[2] interessou-se sobretudo pelo primeiro sentido e lançou ao mundo um imperativo ético: Wo Es war soll Ich werden, traduzido por Lacan nos termos de: Onde isso estava, devo eu, como sujeito, advir.

Ao decidir tomar a ética da psicanálise como tema de seu sétimo Seminário, Lacan (1959-1960)[3] se pôs a contrastar Freud e Aristóteles[4] e pôde definir a ética da psicanálise como a prática de uma teoria que conduz a uma política do real. No que tange ao que é válido para todos, a aposta da psicanálise nada tem de ideal, ela é, antes, o consentimento com a perda, a castração do Outro sem a qual não há desejo. Há uma falta estrutural e o desejo desliza metonimicamente em objetos que procuram mascará-la e dos quais se serve a ética capitalista com suas inúmeras e sofisticadas bugigangas. Mas, a ética da psicanálise propõe realizar um trabalho que implica a elaboração do luto e confirma que “o que se enuncia bem, se concebe claramente”[5]. Só, então, pode o significante fundar um fato novo, instaurando um antes e um depois.

Vera Pollo

 

[1] Mbembe, A. (2003) Necropolítica. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
[2] Freud, S. (1933) Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise e outros textos. In P. C. Souza, Edição Obras Completas de Sigmund Freud, (vol. 18, pp90-223). Rio de Janeiro: Imago, 2010.
[3] Lacan, J. (1959-1960) O Seminário livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1988.
[4] Em particular: Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Martim Claret, 2001
[5] Lacan (1973) Televisão. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.